quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Depoimentos

“Sônia, 16 anos, voltava do colégio onde fez a matrícula para ingressar no segundo grau. Esperava para atravessar a rua. Um carro parou subitamente. O motorista abriu a porta e a puxou para dentro. Ameaçando-a com uma arma e dirigindo em alta velocidade, ele seguiu para uma mata afastada da cidade. Sexo oral, vaginal, uma, duas vezes. Calada, ela pensava em sua mãe e chorava. _Se você contar a alguém o que se passou, você e sua família morrem. Sônia foi para casa. Lavou-se à exaustão. Sentia-se suja. Tinha nojo de sí . Vomitou muito. Chorou em silêncio e ficou em casa vários dias. Conversou com uma amiga. Não queria incomodar sua mãe, recém-separada do marido, alcoolista, que lhe batia. A filha não queria lhe dar mais uma tristeza. Duas semanas após ela teve um pequeno sangramento e achou que era a menstruação. Quis esquecer tudo. Três meses depois, uma vizinha disse para sua mãe: _Tu não estás vendo que tua filha está grávida? A mãe foi procurá-la e perguntou: _Quem foi? Porque você me enganou? Por que você não me disse nada? Foi difícil convencer a mãe do que acontecera. Em companhia de uma prima, Sônia procurou um grupo de mulheres de sua comunidade e pediu orientação. Pouco se podia fazer, não havia serviços de atenção a vítimas de violência naquela cidade. _ Se eu tenho esse filho, lá no bairro vão dizer que eu sou uma prostituta. Se eu digo que foi estupro ninguém acredita. Nem minha mãe acreditou em mim! Sem acesso a um serviço de saúde que a atendesse dignamente, ela procurou o aborto clandestino e foi atendida num consultório sem as mínimas condições de segurança, expondo-se aos riscos da mortalidade materna porque a rede pública de saúde ainda não oferecia os serviços que poderiam garantir a Sônia o exercício de seus direitos."

"Fui violentada sexualmente pelo meu tio que considerava como um pai isso aconteceu quando tinha oito anos, só fui revelar a minha mãe aos quatorze anos e a reação foi a pior possível ela contou exatamente a esposa dele que pediu a minha mãe que não contasse a ninguém, pois com calma resolveríamos isso, fui dormir pensando que no dia seguinte estaria livre desse pesadelo que me seguia desde então, foi numa quinta feira só sair de casa no domingo de tarde, estavam meus tios e outros parentes no lado de fora de casa lá na rua como sempre e eu fui cumprimenta-los e ninguém me respondeu e repeti só que nada e entrei novamente em casa chorando como se soubesse o que havia acontecido, e minha mãe me chamou ao quarto dela e me contou que a irmã dela a esposa o meu agressor, chamou cada parente que ali perto morava e contou a versão dela querem saber qual foi? Ela disse que eu seduzi o marido dela, agora eu me pergunto como é capaz uma criança de oito anos seduzir um homem com mais de trinta, é a vida nos traz surpresas, só que nem sempre elas são as que queremos, no entanto hoje já faz quatro anos que isso tudo aconteceu ele continua morando ao lado da minha casa, vocês não podem imaginar como me sinto, tão suja que sinto nojo de mim mesma, pior é ver que ele não é o único que comete esses atos e saem impunes mais o que me conforta é saber que se a justiça do homem não for feita a de Deus será." (Adélia)

"Senti muita emoção. Porque antes da lei me sentia órfã da justiça. A minha colaboração se deu pela persistência. A Violência está relacionada à força física e à cultura, que faz com o que homem sinta-se superior à mulher. Essa vitória é de todos os movimentos sociais. Iniciei uma luta solitária, em 1983, que fui vítima de agressão, nessa época não tinha delegacia especializada da mulher, que só foi ser criada em 1985. Hoje, me sinto vitoriosa por ser mulher e por ter colaborado com essas mudanças que estão acontecendo. Hoje o comportamento de homens e mulheres precisam de outros valores. Viver sem violência é mais do que viver sem nenhum tipo de agressão. É viver com respeito e consideração. É não acreditar na superioridade masculina." (Depoimento de Maria da Penha Maia Fernandes, que dá nome à Lei Federal 11.340/2006 na II Conferência de Políticas para as Mulheres do Tocantins)

"Tudo começou no 2007 quando peguei 3 declarações de amor na pasta do meu marido e perguntei quem mandou e ele falou que foi de uma aluna. Comecei a investigar o celular dele e sempre tinha um número. Em dezembro disse que queria separar de mim e comecei a lutar pra isso não acontecer. Em janeiro de 2008 descobrir tudo quem era, onde trabalhava aí começou o meu pesadelo. Falava que eu estava louca, me enchia de Lexotan, entrei em depressão, perdi 40 kg, até hoje tenho "nojo" de comida (fazer e comer).Meus filhos ficaram do meu lado. Um dia levei a minha filha que na época tinha 14 anos pra provar que eu não estava louca e mostrei ele apanhando a outra no trabalho. Nesse dia em casa começava as agressões físicas e psicológica (xingamento). Conversei com a minha sogra (que sabia de tudo que o filho estava fazendo) mas não recebi apoio. Em abril coloquei ele pra fora de casa (porque me agrediu e eu o ameacei com uma faca, pedindo pra ele falar a verdade). Em junho fui agredida na rua e dei queixa na delegacia e fiz exame de corpo delito. Contei tudo lá e tinha uma testemunha que viu tudo. Na semana seguinte chamou minha irmã e meu cunhado e fez uma chantagem se eu não tirasse a queixa ele não faria a festa de 15 anos de minha filha. Fui na delegacia e não retirei a queixa e acrescentei mais coisas afirmando o fato. Minha filha foi ameaçada de sequestro por ela, pois, quando ligou aqui pra casa era número restrito e ele não acreditou em mim. Houve a separação judicial e eu fiquei com a guarda dos filhos e o apartamento. Houve a festa e ele gravou tudo no mp3 pra vê seu eu agredia ele. Na delegacia quando ele foi fazer o depoimento dele inventou mentiras. Hoje estou esperando o resultado dessa audiência. Hoje ele comprou apart., mente pro filhos e eles nem querem saber do pai (apesar de morarmos no mesmo andar do prédio). A vida mudou muito... não sou mais aquela pessoa alegre, eu quero justiça por tudo que eu passei e o que eu passo. Pois essa será a minha vitória (que a lei Maria da Penha seja aplicada nele) por ter passado de maluca, ser humilhada por todos e muitas pessoas viram as costas pra mim” (Alice Nazaré Oliveira)

"Suelene foi abusada sexualmente pelo pai durante um ano. Ameaçada com uma faca, ela era obrigada a manter relações sexuais. Sentia-se muito mal, mas com medo ela nada contava para sua mãe. Com a gravidez a mãe descobre o que está acontecendo e juntas vão ao Conselho de Proteção aos Direitos da Criança e Adolescente e à delegacia e ao IML onde foi feito o exame de corpo de delito. O agressor foi preso imediatamente. É encaminhada para tratamento no hospital de referência, sendo atendida por uma equipe com assistente social, psicóloga e médicos. 
A mãe e uma tia lhe dão apoio durante a denúncia e todo acompanhamento de saúde. Em todos os serviços ela afirma ter recebido um ótimo atendimento, compreensão, apoio e força para superar o que estava acontecendo. Ela decide abortar, porque mesmo considerando o aborto uma agressão para a mulher, não suporta a ideia de ter um filho do próprio pai. Suelene conhecia a lei que permite a interrupção da gravidez por estupro porque assistiu a uma entrevista na televisão onde o assunto foi tratado. Mas, pra ela não foi uma decisão fácil. "Se a gravidez fosse de um namorado eu enfrentaria com unhas e dentes, mesmo sem ajuda do pai eu não abortaria". Após o aborto e o fim do tratamento clínico Suelene sente muito bem. Para ela é importante ter feito tudo dentro da legalidade, "tudo na justiça" e "ele estar preso". Fazer o aborto num serviço público lhe dá a certeza de que não ficaria com problema nem correria risco de vida. Ela diz conhecer casos de aborto, feitos "no silêncio" onde as meninas ficam doentes e até morrem. Ao sair do hospital Suelene tem medo das críticas, mas acredita que o mais importante é o que ela pensa e não a opinião dos outros. Durante o depoimento ela afirma sentir muito ódio pelo pai. Mas o apoio familiar e das instituições públicas parece ter sido - ou estar sendo - fundamental para a superar os problemas associados ao abuso sexual."